A origem do paradoxo
Em 2015, li o (fantástico, incrível, sensacional) livro O Poder do Agora, do brilhante pesquisador alemão Eckhart Tolle. Posso dizer que ele foi um divisor de águas para mim. Desde então, além de ter lido outros dois livros dele, venho estudando e praticando a Presença – seja com meditação (ou tentativas de), fazendo trilhas, ou simplesmente parando para prestar atenção ao corpo e à respiração, e sentindo-me grata por tudo que a vida me traz.
Bom, que eu amo viajar mais do que qualquer outra coisa não é novidade para ninguém. Deixei isso bem claro há uns anos, quando resolvi sair do meu armário, e não venho pensando em outra coisa como prioridade desde então. Viajar é tipo a minha meditação. É quando eu me sinto verdadeiramente conectada com a minha essência.
Daí esses dias me peguei matutando com meus botões. Partindo das seguintes premissas, de forma grosseiramente sucinta:
- Não se busca a felicidade, ela já existe em nós, sempre no momento presente – ou seja, a felicidade está sempre “aqui” e “agora”. Isso significa que, teoricamente, podemos ser felizes a todo momento, incluindo os de não-viagem;
- O estilo de vida do viajante é de muito movimento; ele anseia por conhecer algo novo o tempo todo – ou seja, o viajar é um constante estar/querer estar “lá”;
Comecei a me questionar...
Por que então tenho essa ânsia, essa sensação de obrigatoriedade por viajar, que até me causa uma melancolia no dia a dia, se a felicidade está sempre “aqui” e “agora”? Por que eu não fico em paz com a ideia de não estar “lá” em um futuro próximo? Por que me dá calafrios só de imaginar como seria uma vida sempre no mesmo lugar, sempre “aqui”?
Estaria eu falhando miseravelmente em praticar o Agora?
Até que ponto o querer viajar é mesmo uma vontade de explorar o novo, ou seria apenas um grito de insatisfação com a nossa vida atual? Será que é somente um sinal de que não estamos sabendo praticar a presença? Seria, então, “errado” usar a viagem como (principal) ferramenta para conectar-se consigo mesmo?
Enfim, o paradoxo
Se estamos presentes, conscientes de nosso Ser, teoricamente estamos plenos, felizes, em paz. Não teríamos a necessidade (vontade sim, curiosidade também) de estar “lá”. Mas se usamos, de certa forma, o viajar (o estar “lá”) para voltarmos à nossa essência, estarmos presentes (ou seja, para estar “aqui”), nós precisamos estar “lá” para estar “aqui”.
PÃ!
Pausa para uma analogia didática. É tipo o paradoxo do queijo suíço, conhece? É assim:
Todo queijo suíço tem buraquinhos.
Quanto mais queijo, mais buraquinhos.
Quanto mais buraquinhos, menos queijo.
Logo, quanto mais queijo, menos queijo.
Voltando ao raciocínio original: é possível, então, viver as duas coisas ao mesmo tempo? Pleno no “aqui”, doido para ir para “lá”? Queijo e buraquinhos co-existindo em harmonia?
A Síndrome do Eterno Viajante
Recentemente conheci o projeto de um casal espanhol, chamado Algo que Recordar. Eles produziram um vídeo maravilhoso discorrendo sobre a Síndrome do Eterno Viajante. Nunca tinha ouvido este termo antes, e me identifiquei totalmente!
O incrível texto da Lucía Sánchez, narrado ao longo do vídeo, explica perfeitamente a minha angústia com este paradoxo. Acho que até hoje, este foi o vídeo/texto que mais fundo na alma me tocou. Vale muito a pena “perder” 13’52” do seu dia com o vídeo (em espanhol, com legendas em inglês).
Dá o play:
Destaco abaixo as partes do texto que mais ressoaram comigo (negritos meus):
Estou presa em um permanente estado de insatisfação, que por outro lado me libera constantemente. Para muitos estou louca. Sou instável, irresponsável e imprudente. Eles não podem levar essa vida. Não a entendem ou não a querem. Para outros sou uma aventureira, porque eles também sentiram alguma vez a necessidade de romper com suas vidas para viverem outras coisas. Para mim, ficar quieta em um mesmo lugar, vendo como passa o tempo, é renunciar a tudo que não conheço. (…)
Sonhar acordada é uma carga muito difícil de carregar. Creio que de alguma maneira sou prisioneira da minha ânsia de liberdade constante, e isso não sei se é bom ou ruim. Conheço pessoas que são felizes trabalhando no mesmo lugar depois de 10 anos, com sua hipoteca, com suas férias em Menorca um verão após o outro. Não precisam mais do que isso. De algum modo, sinto certa inveja. Eles são felizes com o que têm e vejo isso cada vez mais claramente; e eu, bem, já não sou tanto.
Às vezes penso que não posso ser feliz em um só lugar, terei que ser nessa cidade que não existe. Nesta cidade construída no meu imaginário por vários pedaços dos diferentes lugares em que estive e daqueles nos quais ainda estarei. Eu sei, não consigo me explicar.
A Síndrome do Eterno Viajante é a sensação de não estar cômodo em nenhum lugar porque você necessita estar em outros. É a ansiedade que você sente ao pensar que nunca será feliz em um só lugar.
E aí, #comofaz?
A Síndrome do Eterno Viajante não mata a charada, mas ajuda a pôr em palavras esse sentimento complexo e difícil de explicar. Este paradoxo que me ronda seria, então, um tipo de “doença”. Não sei se ela tem cura, mas sei que alguns sintomas dela podem ser tratados, como por exemplo o principal deles: a ansiedade.
Ansiedade é um dos maiores indicadores de que você não está vivendo o presente, de que está preocupado (pré-ocupado, ocupado antes) com o futuro – aquela coisa que não existe, que é invenção da nossa cabeça, sabe? A chave é viver cada coisa, a cada momento, como ela realmente é, sem expectativas (fácil falar, né?). É saber sentir-se pleno sempre “aqui” – seja onde isso for – e aproveitar ao máximo as experiências de aprendizado que ele nos fornece.
Tá, posso me sentir feliz, mesmo não estando “lá” (e me sinto mesmo, na maior parte do tempo). Então talvez eu não precise estar “lá”. Mas o ponto é: eu quero, e eu posso! Tenho essa possibilidade de escolha – afinal, tenho pés e não raízes. Então por que não aproveitá-la ao máximo?
Um tempo atrás, me saiu um poeminha, chamado… “Lá”!
É aí que reside o sutil limiar entre usar a viagem como fuga de uma realidade insuportável (ou seja, de uma situação em que você não saiba viver o “aqui”) ou como ferramenta exploratória (em que você está bem “aqui”, mas opta por ir conhecer o “lá”). É tipo em um relacionamento saudável, onde não há duas metades que se completam, e sim dois inteiros que se somam. Entende a diferença? É você estar muito bem sozinho (ou “aqui”), e escolher estar com alguém que te acrescente (ou “lá”).
É isso. Então não tenho falhado em praticar o Agora, não. É que saber ser feliz “aqui” não me impede de usar a viagem como força motriz adicional para a felicidade. Ambos co-existem sim! A Presença (estar “aqui”) tem a ver com um processo interno do espírito, enquanto o viajar (querer estar “lá”), creio, tem muito mais a ver com um aspecto fundamental da condição humana: somos seres pensantes. A curiosidade é uma característica intrínseca ao Homo sapiens. Queremos sempre saber o que há do lado de “lá”!
“Penso, logo existo”, certo? Peço licença a Descartes para tentar continuar o raciocínio:
Existo, logo quero saber.
O quê?
Tudo, oras!
Não pode haver nada de errado em querer compreender a origem da nossa consciência, a infinidade da vida, os mistérios do Universo. Não há de ser em vão nosso magnífico dom de pensar. E qual a melhor maneira de saber? Vendo, vivendo, experienciando. Tudo quanto nos for possível. Buscar as respostas até às perguntas que nunca foram feitas.
Então, sim, eu quero estar “aqui” na maior quantidade de “lás” possível!
Fico em paz de pensar que é permitido sim sonhar acordado com “lá” – ainda que isso signifique às vezes um aperto no peito. É permitido sim ter curiosidade infinita, querer chorar de tanta emoção que causa pensar na imensidão e beleza do nosso planeta, transbordar de amor quando se está em meio à natureza. Isso, meu amigo, não é apenas querer fugir da rotina pacata; isso, para mim, é a verdadeira vida.
Como bem disse Lucía: “É uma ‘doença’… que te salva a vida”.
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Eu estou vendo aí uma artista de verdade, uma escritora. E viajar é uma ferramenta fundamental para o artista. O fabuloso pianista Arthur Rubinstein foi criticado por sua anti-ortodoxia. Aos 18 anos, já concertista renomado, decidiu que nunca mais ia ter aulas. Ao invés disso, decidiu que precisava viajar muito para obter inspiração. E foi o que fez a vida toda. E que vida ( partiu aos 95 anos, ceguinho, mas ainda tocando divinamente)! Quanto ao poder do ” agora” , é fácil entender a ânsia do estar lá estando eu aqui. O agora é, mesmo, poderoso, mas não existe um agora e sim agoras. Temos que dar uma mãozinha criando novos agoras. E a vida bem sucedida é uma sucessão de agoras bem vividos. Parabéns ! Vou esperar seu primeiro livro, que , com certeza, virá no tempo certo.
Ainn assim eu encabulo, papis! Mesmo você sendo suspeito para falar, fiquei toda bobona com teu baita elogio! Vou seguir o exemplo de Arthur Rubinstein, então… hehe Obrigada pelo apoio de sempre! <3 Luv ya! beijos
Laura, estou encantada com a profundidade do seu texto. Li duas vezes e vou salvar aqui para reler sempre. Sou como você: “Quero estar “aqui” na maior quantidade de “lás” possível!”.
Obrigada pelo elogio, Gê! Eu fico pirando nessas coisas, que bom que não estou sozinha! hehe 🙂 bjos
I-N-C-R-Í-V-E-L. Acho que isso define o seu texto e sua reflexão!
Era tudo o que eu precisava ler hoje! E concordo com você, acho que viajar não é uma fuga pra mim, mas sim um desejo incessante de explorar o novo, síndrome de uma grande curiosa pelo mundo.
Anos atrás eu pensava que o viajar seria uma forma de fugir de tudo…as viagens me ensinaram o contrário, viagens são complementos da nossa felicidade, mas precisamos estar bem sempre “aqui” para conseguirmos sermos plenos nos “lás” do mundo.
Parabéns!
Exatamente, Pri! É algo muito mais complexo e profundo do que “fugir da realidade”, e ser pleno “aqui”, seja lá onde for este “aqui”, é essencial. Obrigada pelo comentário 🙂 Bjos
“Saber ser feliz “aqui” não me impede de usar a viagem como força motriz adicional para a felicidade. Ambos co-existem sim!”.Adorei! Que a gente aprenda a valorizar mais o aqui para, consequentemente, aproveitar muito mais o lá!! 🙂
Isso mesmo, Karine! 🙂 Obrigada pelo comentário! beijos
Eu achando que era mais um post comum de mega share… Até chorei com seu texto e o vídeo da menina de Madri. Sinto exatamente isso e não sabia como expressar, essa síndrome, essa ansiedade de querer estar “lá”. Sempre sonhando com o proximo destino, por meses, numa expectativa infinita.
Adorei seu texto, de coração! Muito bem escrito e que representa bem esse sentimento que temos por viajar.
Nossa, me identifiquei MUITO! Com o seu post e com o texto do vídeo. Isso de ser uma prisioneira da ânsia de liberdade constante… A vida é muito paradoxal mesmo né? Mas, como vc disse, que bom que temos pés e não raízes! Acho que rende ainda uma boa reflexão e que cada vez que for lido vai “bater” de uma forma diferente. Talvez porque não haja uma resposta exata, o que também é ótimo! =)
Menina, eu tô na tela azul no “pã” do Windows ainda, hahahaha!!
Eu adoro viajar, mas acho que eu tenho outro tipo de relacionamento. E, pelo menos pra mim, viajar dentro do meu novo país – a Holanda – tem sido uma fonte inesgotável de descobertas. Tanto que muitas vezes ouço holandeses dizendo “mas você conhece mais coisa que eu, que sempre vivi aqui!”
Acho que é tendência geral subestimar aquilo que a gente já tem como certo…
Quando eu era mais jovem eu sentia que tinha algo parecido com essa síndrome, queria estar em vários lugares ao mesmo tempo, parecia que sempre estava perdendo alguma coisa, com o tempo isso foi se acalmando e hoje consigo desfrutar e muito de cada lugar que conheço.
O texto é lindo e vale a reflexão para todos os viajantes.
Texto perfeito! Reflexão profunda que chegou no momento certo da minha vida!
Gratidão, Laura! Te agradeço por ter, mesmo sem saber, ter escrito um texto perfeito para o meu momento de vida.
Beijos!
Obs.: salvei o link para ler mil vezes!
Nossa, que incrível… adorei de verdade tanto q li mais de uma vez….Muito bacana o post. Parabens!!!
Que texto lindo Laura! Você escreve muito bem! Fico feliz por eu ter entrado aqui com tempo e com coração aberto de fato pra ler e entender a profundidade das suas palavras! Pra muitas pessoas viajar pode ser visto como uma fulga do momento atual, mas o atual também pode ser ótimo e mesmo assim a gente querer viajar pelo simples fato de mover-se, de querer descobrir coisas novas sempre que nos é dado oportunidade.
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